Funeral

Sou um ser contraditório. Tenho pavor de imaginar meu último suspiro, mas ao mesmo tempo, fantasio a ideia de não mais existir. É difícil de explicar. É como se parte de mim quisesse estar viva e a outra parte tentasse me convencer de que uma vida assim não vale a pena ser vivida.

Eu penso na morte não como uma solução, tampouco como fim da dor —  aprendi ao longos dos anos que a dor, para quem fica, é eterna. Mesmo nas vezes em que estive no fundo do poço e achava que a morte era minha única saída, nunca deixei de pensar nos meus familiares, nas poucas pessoas que se importam comigo. Nunca fui egoísta, porém sempre fui vulnerável, e, por duas vezes, quase perdi a batalha.

Agora não penso mais em fugir. Quero lutar mais do que nunca, como uma forma de agradecimento à pessoa maravilhosa que tenho ao meu lado, que me ama e cuida de mim todos os dias, que acredita no meu potencial e compreende que, assim como tantas outras que vieram antes, esta é uma fase.

Só que, ainda assim, eu tenho meus dias ruins. A maioria deles, na verdade. E não é culpa dele, nem minha, nem de ninguém. É culpa desse transtorno que tenho na minha cabeça que não me deixa pensar racionalmente e frequentemente me leva ao desespero.

E então, nesses momentos de desespero, eu penso em não estar aqui. Fantasio sobre como as pessoas reagiriam, quantas pessoas iriam ao meu funeral… mas a verdade é que não há nada poético em morrer, pois eu não vivenciaria o “depois” disso. O que eu queria, mesmo, era um funeral em que eu estivesse viva, de pé, olhando nos olhos de cada pessoa que já me julgou, e suplicando por ajuda. Queria um funeral em que as pessoas assumissem a responsabilidade delas, que assumissem suas parcelas de culpa, porque não é justo que eu carregue sozinha esse sentimento tão vil.

Queria que me olhassem despida de todos meus disfarces e sorrisos falsos e sentissem compaixão ao invés de arrependimento. Não quero choro, nem sofrimento, quero apenas apoio, aceitação. Quero que olhem para minha luta e sintam orgulho da minha jornada, ao invés de julgarem meus momentos de fraqueza.

Esta não é uma carta de despedida. Embora eu sinta, por diversas vezes, que cheguei ao meu limite, eu continuo lutando. Só que nenhuma grande batalha foi vencida sem apoio de outras pessoas que tivessem os mesmos objetivos. Meu objetivo, neste momento, é conseguir ter paz internamente; é conseguir me olhar no espelho e não me sentir péssima com o que vejo. Meu objetivo é não me sentir fracassada profissionalmente por causa de problemas dos quais não tenho culpa. Meu objetivo é estar bem com a minha imagem, mas principalmente com minha mente, que me atormenta, me culpa, me deprime, que não me deixa dormir, que no momento não está funcionando do jeito que deveria.

Esta carta não é bem uma carta, e os principais destinatários provavelmente nunca irão ler. Contudo, faço minha súplica: por favor, não menosprezem minha luta. Ela é real, ela é diária, ela é a razão pela qual escrevo isso e que, caso leiam esse texto um dia, ainda haverá tempo de terem compaixão e me ajudar nessa batalha.

A morte

A morte é sempre algo difícil de aceitar. Chega de forma abrupta, sem cerimônias e sem avisos. Leva consigo as pessoas mais queridas, sem piedade, e deixa no coração dos que ficam um rastro de destruição. A cada morte, algo no nosso coração se desfaz. É algo pequeno, sem notoriedade, mas só quem perde alguém que amava muito sabe como é o sentimento de vazio de ficar sem essa parte de si mesmo.
Desde pequena, nunca soube lidar com a morte. Certa vez, quando eu tinha sete anos, a professora pediu para que desenhássemos algo que temíamos. Eu desenhei um caixão, e, de legenda, escrevi: a morte. Desde muito nova eu sabia que uma vez que a morte vinha buscar alguém, era uma viagem sem volta. O sopro de vida era arrancado de seu corpo; tudo que restava eram as memórias. E conforme eu fui crescendo, esse medo nunca se dissipou. Acho que por isso sempre fui muito carinhosa com as pessoas que amo, porque sempre tive medo de que elas morressem sem saberem que eram amadas.
Quando eu perdi um ente querido pela primeira vez, eu fingi que ele havia viajado para bem longe, e que um dia voltaria para casa. Era doloroso demais aceitar a morte, e eu tinha apenas onze anos. Eu me enganei deliberadamente por anos, até que um dia, aceitei que ele tinha partido, e consegui ficar em paz comigo mesma, sabendo que ele não voltaria. As memórias continuaram comigo, é claro, mas eu não tinha mais aquela esperança irracional de que, num passe de mágica, a pessoa voltaria à vida.
Agora tenho 22 anos. A morte mais recente de alguém querido aconteceu há pouco mais de um mês. E essa pessoa, tão doce e tão amada, era muito devota a Deus, à sua família, à sua igreja. Conquistava admiradores por todos os lugares que passava, desde a vizinhança até cidades mais longínquas. Era uma pessoa ótima. E hoje resolvi escrever esse texto em homenagem a ela, e enquanto escrevia, dei-me conta de que a morte só é fim para nós que continuamos aqui nesse mundo, sentindo a dor da saudade. A morte, para pessoas boas como minha avó, é só o começo. O começo de uma vida eterna onde não há dor, não há doenças, só há paz. Uma paz profunda que em vida não conseguimos conhecer.